Homilia (Sermão) na Festa de São Brás 2017
Destaque

O martírio dos cristãos no Oriente devia constituir para nós um estímulo a viver a nossa fé, de modo comprometido, alegre, corajoso, irradiante, contagiante, sem medo nem vergonha, de testemunhar Jesus Cristo, diante dos outros, seja onde for e custe o que custar. 

SERMÃO NA FESTA DE SÃO BRÁS – 3 de fevereiro 2017

Leituras da Sexta-Feira da 4.ª semana do tempo comum (anos ímpares)

1. «Lembrai-vos»! Esta é a principal exortação do autor da Carta aos Hebreus, dirigida aos primeiros cristãos, provenientes do judaísmo, eles que estavam então a passar um momento difícil, com as primeiras perseguições, grandes dificuldades e algum desânimo a minar-lhes, por fora e por dentro, a alegria da fé. Neste contexto, de perseguição, de esmorecimento, de desânimo, os cristãos são convidados, em primeiro lugar, a fazer memória, a lembrar-se “daqueles que estão prisioneiros”, a lembrar-se ainda “dos que são maltratados”, por causa da sua fé e a lembrar-se sobretudo “dos seus chefes, de quantos lhes anunciaram a Palavra de Deus”. Por três vezes, portanto, o autor da Carta aos hebreus, lhes diz e nos diz também a nós: «lembrai-vos».

É salutar, para nós, fazer memória viva e agradecida, dos mártires, para que o seu exemplo não fique esquecido e para que possamos, pela sua intercessão, “imitar a sua fé”. De nada nos serviria, fazer memória de alguém, de um familiar, de um santo, de um mártir, se não considerássemos o seu percurso de vida, «o êxito da sua carreira», e se não lhe seguíssemos os seus passos, procurando «imitar a sua fé». E, no nosso tempo, em que vivemos uma espécie de «cansaço da fé» é oportuno deixar-se motivar e animar por tão grandiosas testemunhas. Na verdade, o mesmo autor da Carta aos Hebreus, já nos tinha dito antes que, neste combate da fé, não estamos sós; não somos os primeiros, nem os únicos, a sofrer, nem chegou ainda até ao sangue o nosso testemunho de fé: “estamos rodeados de grande número de testemunhas” (cf. Hb 12,1-4). E todas elas nos animam agora a “correr com perseverança para o grande combate da fé”; desafiam-nos, na sua fidelidade, a “fixar os olhos em Jesus, o autor e guia da nossa fé”. Cristo é, na verdade, a Testemunha fiel.

 

2. E hoje, nem de propósito, o evangelho do dia fala-nos do martírio de São João Batista, que é decapitado por defender algo tão básico e fundamental, como é a fidelidade do amor no casamento! E hoje, a memória litúrgica de São Brás, bispo de Sebaste, na Turquia, reporta-nos ao exemplo de um dos nossos “chefes”, dos nossos primeiros pais na fé cristã, que nos anunciaram a Palavra de Deus.

São Brás, como sabeis, viveu num tempo em que a Igreja foi duramente perseguida pelo imperador do Oriente, Licínio, que era cunhado do imperador do Ocidente, Constantino. Por motivos políticos e por ódio, Licínio começou a perseguir os cristãos, porque sabia que Constantino era a favor do Cristianismo. O prefeito de Sebaste, dentro deste contexto e querendo agradar ao imperador, por saber da fama de santidade do bispo São Brás, enviou os soldados para o Monte Argeu, lugar que esse grande santo fez sua casa episcopal. Dali, ele governava a Igreja, embora não ficasse apenas naquele local. São Brás foi preso e sofreu muitas chantagens para que renunciasse à fé. Mas por amor a Cristo e à Igreja, preferiu renunciar à própria vida. Em 316, foi degolado.

3. Desde João Batista a São Brás e desde São Brás ao nosso tempo, não nos faltam, no caminho, testemunhas da Testemunha fiel e verdadeira, que é Jesus Cristo. No meio de todas as convulsões da história, e apesar do aparente «silêncio de Deus», como nos lembra o belo filme de Martin Scorsese, sobre os mártires do Japão (1640), Jesus Cristo permanece o mesmo ontem, hoje e sempre, e desafia-nos a segui-l’O corajosamente, como fonte de vida verdadeira.

4. Não pensemos, queridos irmãos e irmãs, que estes relatos de martírio fazem parte do passado da Igreja. Não. Também no nosso tempo, continuam as perseguições aos cristãos. Sabemos que, desde o ano 2000 até agora, já foram martirizados mais cristãos do que em quatro séculos de perseguições. “Os media não o dizem porque não dá notícia, mas muitos cristãos no mundo de hoje são bem-aventurados porque são perseguidos, insultados, presos. Há muitos cristãos na cadeia apenas por trazer um crucifixo ou professar a sua fé em Jesus Cristo” (Papa Francisco, Homilia, 30.01-2017). São, portanto, muitas as Igrejas perseguidas e esquecidas.

[Numa altura em que o número de deslocados e refugiados atingiu máximos históricos, grupos islâmicos têm levado a cabo uma limpeza étnica de cristãos por motivos religiosos, designadamente em regiões de África e do Médio Oriente. Se esta situação continuar, a sobrevivência da Igreja nestas regiões está ameaçada. O medo do genocídio desencadeou um êxodo de cristãos, nomeadamente do Médio Oriente e de algumas regiões de África. Um enorme êxodo de cristãos de outras regiões do Médio Oriente, como por exemplo da Síria, combinado com um aumento das pressões sobre os fiéis na Arábia Saudita e no Irão, significam que a Igreja está a ser silenciada e expulsa do coração da sua antiga região bíblica. A ascensão de grupos militantes islâmicos na Nigéria, no Sudão, no Quénia, na Tanzânia e noutras regiões de África está a destabilizar a presença cristã no único continente que até agora constituiu a maior esperança da Igreja para o futuro. Os Cristãos têm sido o alvo dos movimentos religiosos nacionalistas – muçulmanos, hindus, judeus e budistas – muitos dos quais veem o Cristianismo cada vez mais como uma importação estrangeira ‘colonial’. Os Cristãos são olhados com suspeição e são vistos como estando ligados ao Ocidente, que é considerado corrupto e explorador. Os regimes totalitários, incluindo a China, têm colocado cada vez mais pressões sobre o Cristianismo, que é visto como uma ameaça, quanto mais não seja devido ao seu crescente apoio ‘clandestino’[1]].

 

5. Mas podíamos acrescentar ainda outro tipo de perseguição, que se faz sentir na Europa em que vivemos: ainda não sentimos, na pele, a força da perseguição, cruel e cruenta, de “faca e alguidar”, de “canhão” ou de “catana”. Entre nós esta perseguição é mais subtil: os cristãos são ameaçados e correm o risco de serem envenenados, pelo ar que respiram, pela cultura dominante, pelas ideias e hábitos de vida, que se vão difundindo e instalando, que nos induzem e seduzem, até ao ponto de nos tornarmos pagãos, sem nos darmos conta disso! Aqui, no Ocidente, temos de nos defender do risco de “uma «apostasia silenciosa», por parte do homem saciado, que vive como se Deus não existisse” (João Paulo II, Ecclesia in Europa, n.º 9).

Hoje a luta dos cristãos já não se faz tanto para defender os dogmas da doutrina cristã, ou os atributos divinos, mas para defender algo que é mais básico. Hoje, é preciso dar o sangue, para afirmar as evidências primárias: que o casamento é um pacto entre um homem e uma mulher, que os filhos nascem de um pai e de uma mãe, que a vida merece ser protegida desde a sua conceção ao seu ocaso natural, que a natureza humana também constitui fonte da norma na relação entre pessoas… que os animais são criaturas, mas não são pessoas…

São coisas simples que deviam ser evidentes como o facto de a vaca ser carnívora e a erva ser verde… Mas hoje, temos de fazer prova quase científica das evidências como se fossem milagres e, para defendermos a dignidade da pessoa humana, na praça pública, é preciso estarmos dispostos a derramar o próprio sangue. Na comunicação social, nas redes sociais, quem se atrever a ir contra a corrente, é cilindrado, gozado, marginalizado. Esta é uma nova forma de martírio dos cristãos, de que não nos damos conta. E precisamos de estar de sobreaviso. Porque, mesmo que nos metam a corda na garganta, não podemos deixar de anunciar o evangelho, de propor Jesus Cristo, como medida do homem verdadeiro.

 

6. Irmãos e irmãs: o martírio dos cristãos no Oriente devia constituir para nós um estímulo a viver a nossa fé, de modo comprometido, alegre, corajoso, irradiante, contagiante, sem medo nem vergonha, de testemunhar Jesus Cristo, diante dos outros, seja onde for e custe o que custar. Quando tantos irmãos nossos ainda hoje, expõem a sua vida ao risco, por causa da sua fé, como podemos viver a nossa fé, amolecida, sem exigência, sem  compromisso, sempre a queixarmo-nos disto e daquilo e a desculparmos, para não participar na missa dominical ou tomar parte num grupo paroquial.

7. Que a memória de São Brás, nos dê «garganta», ousadia e profecia, para não nos calarmos, para darmos testemunho da alegria do evangelho, a quem quer que encontremos pelo nosso caminho. E hoje, como nos convidou há poucos dias o Papa Francisco, “rezemos pelos mártires, que sofrem muito e pelas Igrejas que agora sofrem e não são livres de se expressar. Com o seu martírio, o seu testemunho, o seu sofrimento, doando a vida, oferecendo a vida, estas Igrejas perseguidas semeiam cristãos, para o futuro” (Papa Francisco, Homilia, 30-01-2017). Ofereçamos esta Missa em honra do nosso mártir São Brás, e por todos os que hoje dão testemunho de Cristo, até ao derramamento do sangue.



[1]Conferir relatório sobre a liberdade religiosa 2015 da Fundação AIS.

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